O texto que a seguir transcrevo intitula-se "Sonho Oriental". Trata-se um soneto de Antero de Quental, nome maior da literatura e do pensamento portugueses que dispensa mais e demoradas apresentações. É um poema que (sinceramente) só recentemente me foi dado a conhecer, mas também não se pode pretender que, por fazer da literatura/língua portuguesa a minha profissão, área de investigação e muito do meu tempo livre, conheça todos os textos... Todo o soneto é, no meu entender, bastante rico, expressivo e, como se não bastasse, transporta o leitor para terras do Oriente (sobre as quais como já devem ter percebido, até por posts anteriores, nutro um interesse particular). No entanto, e sem mais dispersões, ao ler o último verso, fiquei com a sensação de que a atmosfera etérea, fantástica (associada a fantasia, claro!) até, recriada até àquele momento, se perde nas suas palavras; ou seja, para tudo o que é dito anteriormente, o poema "mereceria" outro remate...
Sonho-me às vezes rei, nalguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fungente
E a lua cheia sobre as águas brilha...
O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...
E enquanto eu, na varanda de marfim,
Me encosto, absorto num cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagar ao luar,
Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.
"Tendo aos pés um leão familiar"? Soa-me seguramente a pouco...
Se alguém for suficientemente corajoso, pode tentar reescrever o último verso e postá-lo aqui... Não se esqueçam é de respeitar o verso decassílabo, e a rima em -ar (de luar)... Também vou tentar. Se sair alguma coisa de jeito, juro que partilho, não vão pensar que eu Falo, Falo, Falo... e depois...
Em jeito de remate (e de alargarmento), ficam as palavras de Eduardo Prado Coelho, retiradas do 1.º volume do seu diário Tudo o que Não Escrevi...
"Há frases que são absolutamente decisivas no curso da leitura de um livro. Quando chegamos a elas, fazemos uma espécie de pausa para reflexão (mas é sobretudo para respirarmos), e dizemos: 'está ganho!', isto é, consegui ganhar mais um livro para mim, a partir de agora este livro vai ser também um livro meu. Depois, a leitura prossegue, mas com outra serenidade: sabemos que uma evidência se instalou em nós, obstinada, inamovível. Porque houve uma frase que de súbito nos tocou mais do que a soma de todas as outras - e que fez dessa soma algo de inteiramente novo, uma cor desconhecida, na nossa experiência da literatura." (p. 266)