sexta-feira, 18 de junho de 2010

"In Memoriam..."

(1922-2010)

"[...] o padre virou-se para ela, sorriu, olhou um e olhou outro, e declarou, Tu és Sete-Sóis, porque vês às claras, tu Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um. Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais."
José Saramago, Memorial do Convento

      A notícia da  morte de José Saramago chegou-me na hora do almoço, com um misto de tristeza, pela perda de um grande escritor, e de conformismo, que o peso dos seus 87 anos e da doença assim o fazia o prever.
      Não é muito recente esta minha adesão à sua escrita. Chegou aos 33 anos, no dia em que reli O Memorial do Convento. Realmente é muito diferente ler um livro aos 20 ou aos 30 anos. Antes aborrecia-me a infracção das regras da composição dos diálogos; a abolição dos pontos de interrogação, de exclamação; os longuíssimos parágrafos. Era uma aberração que me dificultava a leitura escorreita; um atentado ao purismo da língua e da gramática que eu teimava em defender. Hoje, ultrapassados estes obstáculos, consigo desfrutar da riqueza do seu imaginário, da sua fina ironia e do sentido crítico. Infelizmente, o tempo disponível só me permitiu ler ainda A Jangada de Pedra, Ensaio sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte, A Viagem do Elefante...
      Ainda bem que sou capaz de dar o braço a torcer.