terça-feira, 20 de dezembro de 2011

"A Síndrome de Heidi"


Não sei se foi pela pertinência do tema ou se pela ternura que ainda hoje sinto pela personagem que dá nome à síndrome, mas achei este artigo interessante (apesar de, na sua globalidade, não dizer nada de que já não suspeitássemos há algum tempo)...

      "Atualmente, qualquer pai sabe que deixar os filhos sozinhos em casa, durante todo o dia, não será uma boa ideia. Levá-los a passear é a solução não só para os acalmar, como também para manter a saúde mental, defendem os psicólogos.
      O meio em que estão inseridas é tão importante para as crianças que foi introduzida recentemente em Espanha a síndrome de Heidi, aludindo à personagem criada por Johanna Spyrí em 1880. Na série, a protagonista fica doente quando tem de se mudar para a cidade, com saudades do dia a dia nos Alpes, ao lado do avô e em convívio com o mundo natural.
      Uma investigação feita recentemente, pela Universidade Autónoma de Madrid, revela que viver e estudar em contacto direto com a Natureza tem um efeito positivo "sobre o stress diário". Segundo o psicólogo José António Corraliza, responsável pelo estudo, "o afastamento do mundo natural afeta a saúde física e mental das crianças", que tendem a tornar-se obesas e a mostrar transtornos de hiperatividade, por exemplo. Pelo contrário, o contacto direto com a Natureza "melhora o rendimento cognitivo e ajuda-as a esquecer os seus problemas, a refletir, a sentirem-se livres e a desmistificar os sintomas de défice de atenção crónico", assinala o especialista.
      Ainda assim, vários autores defendem que é precisamente a falta de tempo que transforma o ser humano, em especial os mais novos. Segundo a antiga consultora do Governo Francês para a educação, Heike Freire, "quanto mais afastadas da Natureza, mais dificuldades as crianças têm em relacionar-se com ela e mais se fecham em casa". Esta ideia permite chegar a uma espécie de biofobia, uma aversão a todo o mundo natural, sentida por algumas pessoas criadas nas grandes cidades e que o veem como algo sujo ou ameaçador. Em oposição, surge o conceito de biofilia, uma atração inata pela vida e pela Natureza, apesar de, na sociedade atual, em que o rural deu lugar ao urbano, não haver condições para o desenvolver. Esta situação manifesta-se nas crianças que conhecem apenas o ar livre e menos a Natureza no verdadeiro sentido da palavra.
      Antes dos anos 80, continua a especialista, "brincar" significava "brincar na rua", isto é, os mais pequenos possuíam a liberdade e o território propícios. Atualmente, a situação é diferente. Quando se pensa em "brincar", é muito provável que imaginemos crianças em casa e sobretudo a ver televisão, assegura Heike Freire, acrescentando outros dados: segundo um estudo realizado em Inglaterra, desde os anos 70 até ao momento, a distância entre os locais onde brincam e a casa reduziu em 90 por cento e o tempo de lazer diminuiu perto de 15 horas semanais.
      Esta espécie de prisão domiciliária em que vivem os mais pequenos está ainda relacionada com o facto de existirem cada vez mais entretenimentos tecnológicos que os fazem esquecer que há vida fora de casa. Como defende Carl Honoré, autor de um livro sobre a defesa de estilos de vida alternativos, como Elogio de la Lentitud:  "Hoje em dia, uma criança tem 400 amigos no Facebook, mas nenhum com que possa sair e brincar na rua."

Tiago Henriques, "A Síndrome de Heidi", Focus, n.º 633, 2011, p. 87.