quinta-feira, 7 de abril de 2011

À descoberta de Istambul...


          A 50 páginas do final do livro que anda aqui ao lado  a ver passar o tempo, há uma passagem que se impõe citar. Livro de memórias de uma cidade que se confundem com as memórias do escritor. Simbiose perfeita entre memórias exteriores e interiores. Se a primeira dimensão pode ser facilmente confirmada ou desmentida; em relação à segunda, há sempre alguma dúvida sobre a veracidade da vida que se expõe, se confessa, tal é a subjectividade do processo da escrita de si...

"Ao fim de algum tempo, a música, as imagens de Istambul desfilando através dos vidros, os passeios e as ruas de pedra por onde o meu pai metia dizendo 'vamos por aqui?' sem esperar pela minha resposta, tudo isso criava no meu espírito uma atmosfera que me convencia de que nunca se encontrariam as respostas para as perguntas essenciais que se faziam na vida, mas que, mesmo assim, era obrigatório fazê-las, e que o objectivo e a felicidade da vida se encontravam em lugares para onde não podíamos ou não queríamos olhar. Notava também outra coisa, tão importante como essas dificuldades: pensando nelas, precisamente, ou procurando o rasto da felicidade e da profundidade da vida, vemos pelo vidro do carro, da janela de casa ou do barco em que se atravessa o Bósforo, imagens que acompanham o nosso pensamento. Isso é muito importante porque, com o tempo, a vida, uma melodia, um quadro ou um conto conhecerá altos e baixos, ao passo que as imagens da cidade que passam diante dos nossos olhos, mesmo anos mais tarde, conservarão para sempre a frescura e ficarão em nós como a lembrança de um sonho."

Orhan Pamuk, Istambul: Memórias de uma Cidade, Lisboa, Editorial Presença, 2010, pp. 310